Descomplicar a dor

Descomplicar a dor

Consegue imaginar a vida sem dor? 

A dor é uma experiência humana desagradável, universal e uma das razões mais comuns para procurar aconselhamento médico. Na realidade, ninguém quer sentir dor, por isso é compreen- sível que, uma vez que a sentimos, nos queiramos livrar dela.

A dor é um aviso, um sinal de alerta de que algo está errado e que se apresenta como uma ameaça à nossa sobrevivência. Se fosse um sinal de trânsito, a dor era um sinal de perigo trian- gular com bordos vermelhos! A sua qualidade aversiva motiva-nos a fazer algo – fugir, repousar ou procurar ajuda ou tratamento médico – e é por este motivo que acreditamos que é isto que torna a dor uma parte tão fundamental e necessária à vida.

Lamentavelmente a dor é um fenómeno muito complexo e, por vezes, aparenta comportar- -se de forma estranha. Por exemplo, todos ouvimos histórias de indivíduos que sofreram fratu- ras após um acidente de viação mas reportam baixos níveis de dor ou alguns cancros malignos que, não sendo dolorosos, progridem sem serem detetados. Por outro lado, mesmo que não haja nenhuma alteração/dano físico, haverá dor se o cérebro acreditar que estamos em perigo.

A dor é mais do que apenas sofrimento. Pode afetar os indivíduos nas suas atividades diárias, no seu bem-estar emocional e, às vezes, da sua família e da sociedade em geral. É uma experiên- cia física e emocional e acreditamos que é melhor tratada com uma abordagem que envolva estas duas necessidades/dimensões.

 

O que é a dor? 

A definição atualmente aceite de «Dor», originalmente adotada em 1979 pela IASP – International Association for the Study of Pain (Associação Internacional para o estudo da Dor), foi revista em 2020 e conceitualiza a Dor como “uma experiência sensorial e emocional desagradável associa- da, ou semelhante à associada, a danos reais ou potenciais nos tecidos”.

Esta definição transmite-nos alguma esperança, uma vez que a principal mensagem é que a dor pode estar presente quando nenhum dano real está a afetar o corpo, ou seja, sentirmos dor não é sinónimo de dano.

Nos últimos anos, a dor tem sido contextualizada como uma experiência individual, subjetiva e multidimensional, naquilo que chamamos de modelo biopsicossocial da dor, o que significa que todas as áreas da nossa vida podem influenciar a nossa experiência de dor.

É subjetiva e multidimensional porque a forma como o nosso cérebro interpreta a dor depende de vários fatores, incluindo o nosso estado geral de saúde física, o nosso humor, os nossos afetos, as nossas crenças socioculturais, os nossos comportamentos e o motivo da dor. É individual porque o conceito de dor molda-se com as nossas experiências de vida.

 

Porque sinto dor? 

Para entender como o corpo sente e processa a dor em circunstâncias normais, é essencial termos uma compreensão básica do nosso sistema nervoso e de como ele funciona. O Sistema Nervoso é composto por todas as células nervosas do nosso corpo e está dividido em duas partes: o Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP).

A azul encontra-se representado o SNC, composto pelo cérebro e pela medula espinhal. A cor de laranja vemos representados todos os outros nervos, que constituem o SNP.

De uma maneira simplificada, pode-se dizer que o SNC é o núcleo da interpretação e da decisão e o SNP são autoestradas de informação.

O Sistema Nervoso Periférico tem dois tipos de nervos – os sensoriais e os motores. Os nervos sensoriais (de pressão, toque, temperatura ou dor) enviam mensagens à medula espinhal, que os encaminha ao cérebro. O cérebro processa esta informação e envia de volta mensagens através da medula espinhal, que resulta numa ação pelos nervos motores.

O processo normal da dor funciona de maneira semelhante. Os sinais de dor normalmente viajam por meio de fibras nervosas especializadas (chamadas de nociceptores) num processo que demora uma fração de segundo. Estes nociceptores são normalmente ativados aquando de uma lesão real ou potencial. Passam pela medula espinhal, que atua como um quadro de distribuição muito complexo, transmitindo simultaneamente todo o tipo de sinais de e para o cérebro.

Quando o sinal de dor atinge o cérebro, inicialmente viaja para uma parte chamada de tálamo, que atua como uma estação de organização dos estímulos pois recebe uma encruzilhada de diversas vias neuronais que podem influenciar-se mutuamente antes de serem redistribuídas. O tálamo é o responsável pela distribuição da mensagem neuronal para diversas outras partes do cérebro responsáveis pela interpretação do estímulo.

Estas vias todas juntas funcionam como um computador muito poderoso. Contudo, este sis- tema pode funcionar de forma alterada, principalmente quando a dor se torna crónica. As mensagens ficam confusas, o centro de distribuição fica saturado e o cérebro não consegue entender/interpretar os sinais adequadamente. Lamentavelmente, esta é uma das razões pelas quais a dor pode ser muito difícil de tratar porque não podemos simplesmente reiniciar o sistema. 

 

Como posso saber se sofro de dor aguda ou crónica? 

Existem várias formas de dor. Os termos dor aguda, crónica ou persistente são termos frequentemente usados e estão presentes no nosso dia-a-dia. Mas afinal, o que os distingue?

A dor aguda é algo que não conseguimos ignorar. Geralmente refere-se a uma dor forte/severa que dura pouco tempo (menos de 12 semanas) e frequentemente aparece de maneira repentina como resultado de um trauma, de uma lesão ou após uma cirurgia. Por exemplo, a dor de um tornozelo torcido irá fazer-nos limitar o movimento da perna até que ela se cure. Aqui a dor é útil, como forma de graduarmos o movimento.

A maioria das dores agudas são fáceis de tratar e terminam após o tratamento; outras vezes podem ser um sinal de algo mais sério.

Em contraste, a dor crónica geralmente não serve nenhum propósito útil. A avaliação e o diagnóstico médico geralmente não levam ao desaparecimento da dor e, com o tempo, podem afetar a capacidade de trabalhar, dificultar o sono, afetar o humor e os relacionamentos com a nossa família e amigos. A dor crónica refere-se à dor recorrente ou à dor que dura mais do que alguns meses, como a dor lombar, as dores de cabeça recorrentes, a fibromialgia, a artrite ou a dor oncológica.

Dor aguda

  • De início repentino
  • De características agudas, severas e intensas
  • De causa específica (doença, lesão ou trauma)
  • Alerta-nos para algo errado
  • Dura menos de 3 meses
  • O tratamento pode incluir o repouso, um curativo/penso, gesso, cirurgia ou fisioterapia

Dor crónica

  • Pode ser constante ou intermitente
  • Varia na sua intensidade
  • É uma condição independente de uma doença, lesão ou trauma específicos
  • Não se relaciona com nenhum perigo ou ameaça percecionada
  • Dura mais de 3 meses
  • O tratamento requer uma abordagem a fatores físicos e psicossociais

 

Quando sinto dor, por vezes durmo pior. Qual a relação entre o sono e a dor? 

O sono e a dor parecem ter uma relação bidirecional. Por exemplo, muitas pessoas relatam que os seus sintomas dolorosos são um pouco aliviados após uma noite de sono reparador. Por outro lado, os indivíduos que vivem com dor crónica sabem como pode ser difícil ter uma boa noite de sono.

A principal queixa relatada relaciona-se com a incapacidade em adormecer e em manter o sono, e em despertares noturnos frequentes que resultam, geralmente, num curto tempo de sono. É frequente as pessoas acordarem cansadas, com falta de energia, com sinais de irritabilidade e uma maior sensibilidade à dor, o que dificulta a maneira como lidam com a mesma. 

Por esta razão, é frequente que nas consultas, o seu médico aborde questões relacionadas com os distúrbios do sono, ou que sejam prescritos medicamentos cujos efeitos secundários interfiram com o seu padrão de sono. Se estiver a experienciar alterações do sono, converse com o seu médico e/ou consulte um especialista em sono. 

Apesar desta inquestionável ligação entre o sono e a dor, evidências emergentes sugerem que o efeito do sono na dor pode ser ainda mais forte do que o efeito da dor no sono. Muitos estudos encontraram uma associação positiva entre um sono de qualidade e melhores parâmetros de dor crónica. Por exemplo, indivíduos com problemas de sono estão em maior risco de desenvolver condições como fibromialgia ou de sofrerem de enxaquecas. 

Teoriza-se que a privação de sono leva a um estado inflamatório do nosso sistema imunitário, resultando num baixo limiar de dor, elevada reatividade à dor e uma incapacidade de inibição da dor pelo cérebro. O motivo pelo qual tal acontece ainda não está determinado, mas coloca-se a hipóteses de que o sono e a dor compartilham vias e neurotransmissores semelhantes. 

 

Então porque é que dormimos e como posso saber se sofro de algum distúrbio do sono? 

O sono é a atividade mais eficaz que podemos fazer para redefinir a saúde do cérebro e do nosso corpo todos os dias. É considerado um dos 3 pilares da saúde física, em conjunto com o exercício físico e a alimentação saudável.

O sono é essencial para manter os níveis normais de habilidades cognitivas, como a fala, a memória e a concentração, de tal maneira que todos nós já passámos por momentos em que fomos privados de sono e começámos a mostrar sinais clássicos como: mau humor, tonturas, irritabilidade e/ou esquecimento.

O sono também é importante para restaurar/reparar o nosso corpo. As pesquisas mostram que pessoas privadas de sono por longos períodos sentem mais dor e têm uma menor tolerância à dor, com aumento dos níveis de desconforto e fadiga.

Os distúrbios do sono mais conhecidos são a insónia, ressonar/roncopatia e a apneia do sono, mas existem mais de 80 diferentes tipos de condições relacionadas com o sono.

Recomenda-se que as pessoas que sofrem de insónia (pode manifestar-se pela dificuldade em adormecer no início da noite, pela dificuldade na manutenção do sono durante a noite ou por despertares precoces) devem automonitorizar ou registar o seu sono noite após noite com base num diário de sono.

Quando durmo mal acordo deprimido. Qual a relação entre a depressão, o sono e a dor? 

Imagine a última vez que sentiu dor ou dor de cabeça, e de- pois imagine viver assim durante várias semanas, meses ou anos. Viver com dor crónica ou com dor persistente é difícil. É comum que pessoas com dor crónica frequentemente experienciem mudanças de humor, nas quais se inclui a depressão.

É lógico e normal que pessoas que sofrem com dor crónica fiquem tristes com a sua condição e com o seu impacto nas suas vidas.

A depressão varia de episódios leves e temporários de tris- teza a depressão grave e persistente. É importante conhecer as várias facetas da depressão, a sua importância no sofrimento do indivíduo, e podem manifestar-se como:

  • Humor deprimido durante a maior parte do dia (por exemplo, sentimentos de tristeza, vazio, choro, desesperança), e que pode incluir o humor irritável.
  • Desinteresse ou diminuição do prazer na execução de todas ou quase todas as atividades. Perda ou ganho de peso significativo, ou diminuição/aumento do apetite.
  • Distúrbios do sono, incluindo incapacidade de adormecer ou de manter o sono (despertares frequentes) ou dormir demais.
  • Pensamento, fala ou movimentos corporais lentos.
  • Cansaço e falta de energia (mesmo as pequenas tarefas exigem um esforço extra).
  • Sentimentos de inutilidade ou culpa, fixação em falhas passadas.
  • Dificuldade para pensar, concentrar-se, tomar decisões e perda de memória.
  • Alterações na líbido.
  • Pensamentos frequentes ou recorrentes de morte, pensamentos suicidas, tentativas de suicídio ou suicídio.

 

Quando sinto dor fico ansioso/a por não conseguir dormir. Qual a relação entre a ansiedade, a dor e o sono? 

A dor provoca uma resposta emocional em todos nós. Se sentimos dor, é frequente também sentirmos ansiedade, irritabilidade e agitação. Estes são sentimentos normais quando estamos a sofrer.

A ansiedade é uma emoção desconfortável e vaga, que pode aparecer em inúmeros contextos ao longo da vida. Surge como uma resposta natural ao perigo ou diante de uma situação stressante. Mas quando se torna constante ou avassaladora/desproporcional, interferindo nos relacionamentos e atividades, a ansiedade pode tornar-se um distúrbio. Assemelhando-se à depressão, há uma diferença entre sentir-se ansioso de vez em quando e ter uma perturbação de ansiedade diagnosticável.

A ansiedade pode ser sentida em diferentes graus e dependendo da resposta do indivíduo, pode ser considerada adaptativa ou patológica. Quando a ansiedade é uma resposta associada a períodos de adaptação, com sintomas leves, que nos motiva a agir, planeando e executando algo, então pode ser considerada como positiva/adaptativa. Por outro lado, estamos perante ansiedade patológica quando os sintomas evoluem e possuem uma severidade elevada, são frequentes e/ou incontroláveis e causam mal-estar significativo a nível físico, cognitivo, comportamental ou social.

Os transtornos de ansiedade são um grupo de condições relacionadas, e não um único dis- túrbio, portanto, podem parecer muito diferentes de pessoa para pessoa. No entanto, todos os transtornos de ansiedade compartilham um sintoma principal – medo ou preocupação persistente ou grave em situações em que a maioria das pessoas não se sentiria ameaçada. Além desse sintoma primário, outros sintomas emocionais comuns de ansiedade incluem:

  • Sentimentos de apreensão ou pavor
  • Antecipação do pior
  • Dificuldades de concentração
  • Medos sem razão aparente
  • Preocupação constante
  • Nervosismo
  • Irritabilidade
  • Sentir que a sua mente ficou em branco
  • Pensamentos perturbadores
  • Compulsão alimentar
  • Hiperatividade

A ansiedade também inclui uma ampla gama de sintomas físicos, incluindo:

Lembre-se que:

  1. A dor é uma parte normal e necessária à vida.
  2. A dor não é uma medida exata da presença de lesão corporal.
  3. A dor aguda é um importante sinal de alerta e aviso de perigo.
  4. A dor é um fenómeno complexo e ocorre sempre que o cérebro percebe que potencialmente há uma ameaça.
  5. nosso cérebro possui mecanismos com potencial para inibir ou cronificar a dor.
  6. A dor provoca uma resposta emocional em todos nós. É frequente sentirmo-nos ansiosos, stressados, deprimidos, com falta de energia e com dificuldades em dormir.
  7. A dor é influenciada pelo nosso estado geral de saúde física, o nosso humor, os nossos afetos, as nossas crenças socioculturais, os nossos comportamentos e as nossas experiências prévias de dor.
  8. É importante comunicar com o seu médico/médico dentista/ profissional de saúde caso esteja a ter dificuldades em dormir, em gerir a sua dor e se estiver a sentir-se ansioso ou deprimido.

Saiba mais: Dor Orofacial e Disfunção Temporomandibular (DTM)


Contactos: (+351) 239 826 740 / (+351) 967 877 981 (chamadas rede fixa/móvel nacional) | geral@orisclinic.com